segunda-feira, 25 de maio de 2015

MULHERES DEFICIENTES E A COMUNIDADE DE DEVOTEES - Excelentetexto, que voltou a circular nas redes hoje

Mulheres Deficientes e a Comunidade de Devotees.

27/05/2012 - Alison Kafer.

CHICAGO/EUA - Na primavera de 1996, eu tive meu primeiro encontro com a
comunidade de amputados e devotees. Eu conectei a Internet, digitei
"amputada" em um site de busca, e me vi confrontada com um mundo que eu
jamais soube que existisse. Os endereços de vários websites apareceram
diante de mim, todos eles prometendo companhia e amizade para pessoas
amputadas.

Estes sites ofereciam sala de bate-papo, anunciavam oportunidades e
locais onde os devotees e as pessoas amputadas poderiam se encontrar,
continham anúncios pessoais e vendiam fotografias e vídeos de mulheres
amputadas. Porém, os websites pareciam ter, principalmente, o objetivo
de explicar e defender as ações e motivações dos devotees. "Devotees,"
eu rapidamente aprendi, eram homens e mulheres que se sentiam atraídos
por pessoas com amputações e outras deficiências. Em outras palavras,
homens atraídos por mim.

Eu tive uma estranha sensação de familiaridade, quando visitei esses
sites, apesar de nunca ter ouvido falar de devotees antes. A sensação de
familiaridade não era tanto por me sentir parte de uma comunidade, mas
por um sentimento de resignação. Devido aos olhares fixos e respostas
hostis que eu normalmente recebia nas ruas, eu me sentia terrivelmente
sem atrativos e estava convencida de que ninguém poderia amar alguém
como eu. Ninguém - quer dizer - exceto um devotee.

Visitando aqueles sites, eu percebi que as pessoas que me encaravam na
rua não eram a aberração, os devotees é que eram. O mero fato de eles
terem de se agrupar na Internet, para justificar o seu desejo por
mulheres amputadas, parecia testemunhar a natureza sem igual de sua
atração. A retórica defensiva desses sites confirmou meu temor de que a
sociedade vê as mulheres como eu como sem atrativos e indesejáveis. Caso
contrário - eu argumentei comigo mesma - por que tais organizações
seriam necessárias?

O descobrimento da comunidade de amputados e devotees na internet me
encheu de resignação: parecia oferecer a única oportunidade que eu teria
de fazer parte de uma comunidade, de ter apoio e companhia. Eu estava,
de repente, incluída numa comunidade da qual eu não queria fazer parte,
uma comunidade que me fez sentir calafrios.

Em meus primeiros encontros com a comunidade de amputados e devotees, as
mulheres com deficiência, nestas organizações, eram invisíveis para mim.
Apesar de minha intenção original de aprender mais sobre as mulheres
amputadas, apesar do espaço na Internet dedicado às fotografias e às
histórias dessas mulheres, tudo o que eu podia ver eram as histórias dos
devotees. A idéia de um fetichismo pela deficiência era tão nova para
mim que eu me esqueci das mulheres ao tentar entender os homens.

Com o passar do tempo, porém, e como eu me tornei mais interessada nas
barreiras específicas que as mulheres com deficiência tinham de
enfrentar, eu voltei meu interesse para as mulheres amputadas envolvidas
nestes grupos. O que elas achavam nessa comunidade de amputados e
devotees que eu não estava entendendo? Embora, num primeiro momento, eu
tivesse ignorado estas mulheres, agora, eu me via compelida a conhecer
suas histórias. O que motivava o envolvimento delas em organizações que
muitas pessoas percebiam como exploradoras e desagradáveis? Que
possíveis benefícios poderiam resultar da interação delas com outras
pessoas com amputações e com os devotees?

Eu acho este tipo de pergunta intrigante porque a maioria das pesquisas
publicadas sobre a comunidade de amputados e devotees focalizou
exclusivamente os devotees. Não foram levantadas perguntas sobre as
experiências e motivações das mulheres amputadas envolvidas em tais
grupos e elas constituem a inspiração para escrever este artigo.

No outono de 1999, eu voltei à comunidade de amputados e devotees e
perguntei a Jama Bennett, a fundadora da Coalizão Mundial de Apoio aos
Amputados (ASCOTWorld), se ela estava disposta a discutir o grupo e a
sua participação nessa comunidade. Eu comecei uma exploração preliminar
entre as mulheres amputadas para descobrir como elas percebiam a
ASCOTWorld e a sua função na vida delas. A própria Bennett sugere que a
ASCOTWorld sirva para dar apoio às mulheres amputadas, fazendo com que
se sintam fortalecidas para enfrentar os estereótipos culturais
dominantes segundo os quais as mulheres deficientes são assexuadas.

Neste artigo, eu discuto este potencial para o enfrentamento desses
estereótipos. Eu discuto que, embora a participação de mulheres
deficientes na ASCOTWorld possa não romper com os discursos
fundamentalmente dominantes a respeito da sexualidade das mulheres com
deficiências, essa participação tem um efeito positivo na vida delas. O
potencial da ASCOTWorld para fortalecer a auto-estima das mulheres
deficientes frente os preconceitos precisa ser entendido como uma
negociação entre os efeitos que pode ter sobre a sociedade maior e o seu
impacto sobre a vida de cada mulher com deficiência.

Discutindo as suposições que as pessoas não deficientes fazem em relação
às com deficiência, Jama Bennett afirma que "há uma percepção, por parte
da comunidade temporariamente não deficiente, de que as pessoas com
deficiências são assexuadas e eternamente infantis".

Devido a este estereótipo, acrescenta ela, "muitas mulheres que tiveram
amputações recentes (incluindo eu mesma) sentem-se maravilhadas por
saber que ainda podem ser desejáveis ou atraentes para um homem." As
observações de Bennett originam-se em suas próprias experiências,
enquanto uma mulher com deficiência que vive numa sociedade na qual a
sexualidade do corpo deficiente, particularmente do corpo feminino com
deficiência, é negada, patologizada e/ou ignorada continuamente.

A maioria da literatura sobre a comunidade de amputados e devotees
perpetua estes estereótipos. A maior parte dos estudos focaliza,
principalmente, os devotees e retratam as mulheres com deficiência como
silenciosos e passivos objetos do desejo dos homens. Além disso, esta
literatura, ao tentar analisar as causas e as repercussões do
devoteísmo, coloca essa atração como uma patologia que deve ser tratada
ou deve ser eliminada.

Eu não quero debater o mérito médico desse diagnóstico. Ao contrário, eu
quero realçar as idéias preconcebidas que a cultura dominante tem a
respeito da sexualidade das mulheres com deficiência e que são a base
desses estereótipos. Se identificamos os devotees como "doentes", o que
estamos dizendo a respeito dos sentimentos que as mulheres deficientes
inspiram? Considerar atraente uma mulher com deficiência é sempre o
sintoma de uma doença? Mulheres amputadas não aparecem discutindo estas
questões e, quando aparecem, somente o fazem como vítimas porque foram
molestadas ou enganadas por devotees.

Algumas feministas reafirmam esta tendência quando vêem os devotees como
praticantes de uma forma perigosa de pornografia. R. Amy Elman, por
exemplo, afirma que as publicações de devotees contribuem "para que as
mulheres e meninas, particularmente aquelas com deficiência, continuem a
ser consideradas e tratadas como cidadãs de segunda categoria". Ela
examina vários artigos de The Amputee Times, uma revista voltada aos
devotees, que focaliza "o fetichismo pela vulnerabilidade das mulheres",
e os comentários dos devotees a respeito da formação de um catálogo com
mulheres deficientes atraentes.

Embora eu concorde com Elman de que o comportamento de alguns devotees é
preocupante, particularmente o ímpeto para criar um banco de dados de
mulheres com deficiência "disponíveis", alguns dos comentários dela
também me preocupam. Elman só vê as mulheres com deficiência como
vítimas que, por terem se convertido em objetos, necessitam de proteção,
e não as vê como agentes ou sujeitos. Além disso, ela ignora as mulheres
que se vê nos sites destinados aos devotees e só discuti os fotógrafos e
os que publicam essas imagens. Fazendo assim, ela insinua que as
mulheres deficientes só posariam para fotos "sensuais" quando enganadas
ou coagidas a isto.

Freqüentemente, as mulheres com deficiência são desencorajadas de
participar de qualquer forma de expressão sexual, e as mulheres que
moram em instituições têm sua sexualidade severamente controlada ou
impedida. Gayla Frank discute as experiências de Dianne DeVries, cujos
quatro membros foram amputados e que freqüentemente era criticada, no
centro de reabilitação, por causa das roupas que desejava vestir.

Frank explica que a equipe médica recomendava que DeVries usasse pernas
e braços artificiais, que se vestisse com roupas de mangas compridas,
saias longas e largas para disfarçar a sua deficiência. Sua recusa em
usar estes dispositivos causavam consternação em seus médicos, que
consideravam sua decisão como um "desajustamento" e não como um sinal de
independência. A preferência dela para vestidos sem manga e camisetas de
mangas curtas eram ainda mais problemáticos para a equipe médica, que
considerava sua aparência "sem atrativos e possivelmente perturbadora".
A sugestão dos médicos para que usasse roupas mais discretas não estava
relacionada à necessidade de facilitar seus movimentos, mas sim com o
objetivo de tornar sua aparência menos chocante para os outros.

O desejo de seus médicos para tornar invisíveis as deficiências de
DeVries fizeram com que ela se tornasse efetivamente invisível: foram
ignorados seus desejos e suas opiniões sobre seu próprio corpo e sua
deficiência, foram desvalorizados seus julgamentos e suas escolhas e
ações foram consideradas como um desajustamento.

O impulso para esconder a deficiência é forte. Embora DeVries tenha se
rebelado contra seus doutores que queriam que ela cobrisse seus cotos
com roupas e próteses, muitos outros amputados voluntariamente usam
roupas folgadas como camuflagem para suas deficiências. Muitas pessoas
com deficiência concordam com a opinião dos médicos de DeVries - de que
um coto amputado visível é "sem atrativo e perturbador". Quando o ponto
de vista dos "especialistas" combina com a ausência de imagens de
pessoas com amputações na mídia e na esfera pública, isto desencoraja os
amputados de tornar visíveis os seus corpos. A construção cultural de
uma imagem das mulheres com deficiências como assexuadas e sem atrativos
afeta sua auto-estima, impelindo-as a disfarçar suas deficiências por
vergonha delas. Como a própria Bennett declara: "Eu usei saias e
vestidos longos durante dez anos, nunca shortes ou bermudas, porque eu
sentia que deveria manter escondida minha perna amputada."

A partir de seu primeiro encontro com a comunidade de devotees, há sete
anos, Bennett mudou radicalmente sua atitude em relação ao próprio
corpo. "Depois que eu descobri sobre os devotees" - ela explica - "eu
comecei a usar bermudas, shorts e maiôs que deixam à mostra meu coto. Eu
me dei conta de que esta é minha perna, e se alguém prefere não vê-la,
então, que não olhe." Os comentários de Bennett revelam o impacto
imediato que a comunidade de devotees causou em sua autoconfiança.

Simplesmente saber da existência de homens que a achariam atraente por
sua amputação, e não apesar dela, fez com que mudasse radicalmente a
compreensão de sua deficiência e foi essa mudança que a levou a se
envolver na ASCOTWorld e à sua interpretação da organização como um
baluarte de resistência.

Lolly Gibbs, uma amputada por problemas com diabetes, envolveu-se com a
ASCOTWorld logo após ter sido abandonada por seu noivo. Ele a abandonou,
logo após ela ter sido amputada, porque não conseguiu adaptar-se à sua
dependência de uma cadeira de rodas. Gibbs, eventualmente, encontrou
dois membros da comunidade de devotees, através de um anúncio em um
jornal local. "Nunca tinha ouvido falar de devotees" - ela explica -
"mas, os homens eram ambos simpáticos, atenciosos e compreensivos. Eles
me deram vários artigos para ler e aprender sobre suas preferências e me
falaram dos Fins de Semana da Fascinação.(6) Após ir a uma série de Fins
de Semana e freqüentar a ASCOTWorld, Gibbs apresentou uma transformação
como a de Bennett: "Finalmente senti-me desejada, atraente e até mesmo
sexy. Não me envergonhava mais por ser vista em público."

Ambas, Gibbs e Bennett, descrevem seus encontros com os devotees como
experiências fortalecedoras. Após serem tratadas como não atraentes e
assexuadas, essas mulheres estavam encontrando homens que as achavam
mais desejáveis que as mulheres não deficientes. Valorizando as mulheres
com deficiências, os devotees parecem ignorar os ideais prevalecentes de
beleza, escolhendo mulheres que outros homens rejeitaram como sendo
não-sexy e não-desejáveis. Bennett explica que qualquer coisa que dê às
mulheres deficientes mais confiança ou crença em sua sexualidade é
positiva e ela aprova organizações como a ASCOTWorld por fazer
exatamente isto para ela e para inúmeras mulheres na mesma condição.

Bennett considera que na ASCOTWorld, a rejeição da assexualidade das
mulheres com deficiência, traduz-se em vendas de fotos e vídeos e a
veiculação de suas imagens em sites da Internet, sites estes que seriam
acessados só por assinantes. Bennett estima que existam mais de 28.000
instantâneos de mulheres deficientes. Qualquer amputada que queira posar
para fotos ou participar de vídeos recebem assistência de Bennet e da
ASCOTWorld.

Muitos desses vídeos são vendidos por mais de US0,00, dos quais 60% vão
para a modelo e 40% ficam na Associação para cobrir custos de
"reprodução, postagem, propaganda e mão-de-obra".

Os vídeos são feitos com o propósito de promoção pessoal, apresentando
"mulheres solteiras para devotees que possam querer conhecê-las nas
reuniões de fim de semana".

ASCOTWorld não é o único grupo a oferecer tais serviços. A CD Produções,
operada por Carol Davis é outra organização que produz e distribui fotos
e vídeos de mulheres amputadas.

Ambas, Davis e Bennett, asseguram que estas fotos e vídeos são benéficos
para as modelos não só do ponto de vista financeiro como também por
promover um aumento em sua autoconfiança e maior consciência de sua
sexualidade.

Joy, uma das modelos da CD, explica: "Eu sei o que é ser rejeitada por
homens pela falta de um membro. Sinto-me gratificada por ser admirada
como sou". Outras mulheres fazem eco a Joy. Kath Duncan, em seu VT
"Minha Amante de Uma Perna Só", comenta como foi excitante essa sessão
de fotos, pois foi capaz de colocar todo seu corpo à mostra e sentir
seus cotos como sendo sexy.

Estes comentários sugerem que encontrar um ambiente no qual seus corpos
são (não somente aceitos mas também) admirados parece produzir um
formidável impacto na auto-estima das mulheres com deficiência.

A proliferação de imagens representando deficientes como sexy e
atraentes poderá ser benéfica não só para as modelos mas também para
todas as deficientes. Jane Elder Bogle e Susan L. Shaul contam que um
dos maiores problemas para a expressão da sexualidade das mulheres com
deficiência é a falta de exemplos. Para muitas mulheres, particularmente
as que sofrem amputações em uma idade mais avançada, é difícil aprender
a incorporar cadeira de rodas, próteses, cicatrizes e braçadeiras ao rol
das coisas consideradas "sexies".

ASCOTWorld é um dos poucos lugares onde uma mulher amputada encontra
imagens de mulheres que são iguais a ela e que incorporam suas
deficiências àquilo que entendem como sensualmente atrativo. Ao divulgar
essas imagens, ASCOTWorld oferece exemplos de mulheres cujas
deficiências não impedem a sensualidade, contrapondo-se à cultura dos
não deficientes, na qual as mulheres com deficiência são assexuadas.

Além disso, como notou Barbara Waxman Fiduccia, muitas das organizações
de devotees são dirigidas atualmente por amputadas (13): Fascinação,
ASCOTWorld e Produções CD são de propriedade e são dirigidas por
amputadas. Elas decidem a forma de conduzir e os estatutos das
organizações. Além disso, todo o lucro dos vídeos e das fotos são
entregues às modelos. Waxman Fiduccia enfatiza que o aspecto radical
dessas empresas é que elas possibilitaram às pessoas com deficiência
tirar suas vidas sexuais do controle dos médicos, psicólogos e, por
extensão, dos próprios devotees. As mulheres controlam suas produções.

Embora ainda sinta algum desconforto a respeito dos devotees, começo a
sentir uma afinidade com as modelos e suas organizadoras. Essas mulheres
estão se recusando a aceitar passivamente os estereótipos impostos a
elas pela cultura dos não deficientes. Ao afirmar, ativamente, seu
direito de falar sobre, usar e dispor de seus corpos da forma como
consideram conveniente, essas mulheres deficientes estão dando poderosos
exemplos alternativos de como observar o corpo feminino com deficiência.

O impacto que essas imagens causam na sociedade em geral ainda precisa
ser determinado. Ainda que a participação na comunidade de devotees
possa mudar a percepção que algumas mulheres têm de si mesmas, isto pode
não ter nenhum efeito sobre o juízo que as pessoas não deficientes fazem
delas.

Na realidade, algumas pessoas podem ver a formação de grupos como
ASCOTWorld como uma prova de que pessoas com deficiências são realmente
diferentes. A existência da comunidade dos devotees pode levar a crer
que somente eles acham deficientes atraentes e que sentir atração e
desejo por uma mulher deficiente pode ser visto como uma "condição" que
só "afeta" alguns membros "diferentes" da maioria da população.

Tais pontos de vista não estão limitados aos não deficientes, eu, no
princípio, via os sites como o ASCOTWorld não como uma prova de minha
capacidade de ser desejada, mas, sim, como um atestado exatamente do
contrário. Visto dessa maneira, o envolvimento das amputadas na
comunidade devotee pode, na realidade, perpetuar o pensamento de que as
mulheres com deficiência são assexuadas e de que não são desejáveis,
negando assim, o potencial transformador da ASCOTWorld.

A comunidade de devotees ainda reflete muitos dos valores da sociedade
em geral e seus preconceitos. No vídeo "Minha Amante de Uma Perna Só",
Duncan expressa decepção ao descobrir que os devotees são tão críticos -
em relação aos corpos das mulheres - como são os não devotees. Podem
divergir da corrente principal, ao considerar cotos sensuais, mas os
devotees também menosprezam as mulheres que são gordas ou sem atrativo.
Ou seja, a os devotees não estão numa esfera utópica na qual a beleza e
a aparência física são irrelevantes. Simultaneamente, os devotees
rejeitam o estereótipo de que as mulheres deficientes são indesejáveis e
perpetuam os ideais hegemônicos de beleza.

Além disso, alguns segmentos dos amputados e devotees refletem o padrão
heterossexual que permeia a cultura ocidental. Embora haja vários sites
na Internet destinados a homens amputados e devotees gays, os sites
destinados a lésbicas são menos comuns. Um dos poucos sites para
lésbicas que eu descobri é freqüentado, principalmente, por homens
devotees heterossexuais à procura de "deusas do amor lésbicas e
amputadas". Esse site foi atacado, pelo menos uma vez, com comentários e
desenhos homófobos.

Um outro exemplo desse preconceito é a opinião de uma mulher amputada
com quem conversei: ela acha que a existência de deficientes lésbicas é
uma prova da necessidade dos devotees. Segundo ela, muitas mulheres com
deficiências se tornam lésbicas porque não podem encontrar parceiros
masculinos. Para ela, se tais mulheres conhecessem os homens devotees,
elas não seriam "forçadas" a se tornar lésbicas para ter uma vida sexual
ativa. Os comentários dela refletem o preconceito da sociedade, segundo
o qual todas as lésbicas são heterossexuais fracassadas. Assim, dentro
do discurso da comunidade de amputados e devotees, freqüentemente, a
sexualidade de lésbicas deficientes é negada, patologizada e/ou
ignorada, Portanto, nem todas as mulheres com deficiência são bem-vindas
na comunidade de devotees e deficientes.

Eu também quero ressaltar que nem todas as mulheres com deficiência
tiveram boas experiências com devotees, nem se beneficiaram de uma
elevação de sua auto-estima e independência. Muitas mulheres deficientes
tiveram encontros terrivelmente amedrontadores, sendo perseguidas por
devotees que as fotografaram sem sua permissão. Outras mulheres - como
eu - tiveram seus nomes e atributos físicos disseminados pela comunidade
de devotees sem o seu conhecimento ou sua permissão. Embora nem todos os
devotees se comportem dessa maneira, a existência de alguns faz com que
algumas mulheres com deficiências desconfiem e temam todos eles. O
potencial da ASCOTWorld para contribuir para a elevação da auto-estima
sexual das mulheres deficientes contrapõem-se ao fato de o site, ao
expor as mulheres, torna-as suscetíveis ao molestamento e abuso por
parte de devotees.

Porém, é importante dizer que o comportamento agressivo não é exclusivo
de devotees. Violência contra mulheres é inerente às culturas
patriarcais, e muitos não devotees são culpados de molestar, espionar e
aterrorizar as mulheres. O alto número de mulheres não deficientes que
são molestadas, espionadas e agredidas todos os anos é a prova de que
estes comportamentos estão mais relacionados à misoginia latente na
sociedade do que à atração específica dos devotees. Assim, o
comportamento inadequado de alguns devotees deve ser considerado como
integrante de uma cultura patriarcal. A atitude agressiva de alguns
deles não pode ser vista como exclusiva da comunidade de devotees.

Embora estas preocupações sejam importantes e não devamos ignorar as
acusações de coerção, abuso e molestamento, os efeitos de ASCOTWorld não
podem ser considerados como completamente negativos. Para Bennett e as
mulheres amputadas de ASCOTWorld, a participação delas na comunidade de
amputados e devotees alterou radicalmente a percepção de sua
deficiência. Assim, para algumas mulheres com deficiência, ASCOTWorld
atua como um lugar de resistência pessoal que lhes permite restaurar a
auto-estima, a independência e a sensualidade. Ainda que posar para
fotografias e participar de reuniões possam não contribuir,
fundamentalmente, para desmantelar os estereótipos dominantes na
sociedade a respeito do corpo feminino portador de deficiência, o
impacto positivo em suas vidas, que algumas mulheres acreditam ter sido
causado por essas atividades, não pode ser ignorado. Nas palavras de
Lolly Gibbs: "Finalmente, eu me sinto atraente e, até mesmo, sensual. Eu
não tenho mais vergonha de meu corpo."

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Palestra apresentada durante a Conferência de Estudos sobre a
Deficiência, junho de 2000, Chicago, por Alison Kafer.
Os devotees não são só do gênero masculino, existindo também mulheres
devotees.

* Devotees existem em sua maior parte como adoradores de pessoas
amputadas, mas ultrapassam essa deficiência, podendo ter
preferências por outras, como cegueira, surdez, pessoas usuárias de
cadeiras de rodas com qualquer deficiência.
* Fonte: Bengala Legal
* http://bengalalegal.com/devotee-eua

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